O melhor filme entre as estreias de 2019 nos cinemas brasileiros pode agora ser visto no Telecine Play. Trata-se de “Amanda”, filme francês de Mikhael Hers.

Na trama, David (Vincent Lacoste) vive como jardineiro municipal de Paris, e ao mesmo tempo aluga administra um apartamento que coloca para alugar por temporada. Ele recebe e orienta hóspedes. Numa dessas transações, conhece Lena (Stacy Martin), e por ela se apaixona.

A vida parece correr bem para ele, até que sua irmã morre num atentado terrorista. David deve então decidir se cuida de sua pequena sobrinha Amanda (Isaure Multrier) ou a entrega para adoção.

Ele é muito jovem e irresponsável, apesar de amar sua sobrinha. O desafio de criar uma criança parece maior que suas possibilidades. Mas o filme nos leva a torcer para que isso aconteça.

Há incertezas, medos e desajeito, tanto para ele quanto para a criança, então com apenas 7 anos. Mas o diretor cuida para que o entendimento entre eles seja mostrado de uma forma sutil e gradual, com elipses muito bem inseridas e um tom cotidiano favorecido pelo naturalismo invejável alcançado nas interpretações.

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O que vemos, de fato, é uma direção muito sensível de Hers, capaz de valorizar pequenos detalhes do cotidiano, e de segurar os momentos em que o drama se acentua, sobretudo quando o trauma parece insuperável (qual trauma, de início, não parece insuperável?).

A habilidade de Hers para extrair poesia das pequenas coisas é notável. Não se pode forçar a poesia, sob o risco de cair naquilo que François Truffaut (mestre da poesia em suas críticas e em seus filmes) chamava de poesia a priori. Hers sabe disso, e a poesia em “Amanda” brota das situações que envolvem os personagens, aproximando-os ou repelindo-os, e da dificuldade de entendimento entre as pessoas.

Logo no início do filme, a mãe explica o significado da expressão em língua inglesa “Elvis has left the building”, como algo que já era, que acabou, que não tem mais como voltar. Essa bela cena possibilitará uma ligação com um dos desfechos mais impressionantes do cinema recente, que tem a ver também com a difícil superação do luto.

O filme não seria a mesma coisa sem a interpretação sobrenatural de Multrier, atriz-mirim capaz de nos levar da singeleza à aflição e à melancolia. Ela, e seu entrosamento com Lacoste (ator que nunca esteve tão bem como aqui), mais a justeza de tom conseguida por Hers (algo muito raro no cinema em todos os tempos, quase um Rohmer nesse sentido), são os responsáveis pela beleza de “Amanda”.

Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema