Com “Fim de Festa”, Hilton Lacerda chega a seu segundo longa solo (após “Cartola”, com Lírio Ferreira, e “Tatuagem”), fazendo uma radiografia do atraso deste país por meio de um grupo de jovens que se reúne em Recife para o carnaval, mas se depara com uma sociedade doente.

O pai de dois desses amigos, Breninho e Penha (que talvez sejam meio-irmãos, não fica claro; de todo modo, cresceram juntos, mas isso não importa muito), é o policial Breno (Irandhir Santos), que volta mais cedo das férias para investigar o assassinato de uma francesa e se depara com a casa cheia de jovens que ele não entende e não faz muita questão de entender.

O forte do filme é essa representação em que forças conservadoras dialogam com forças avançadas em meio à presença também de forças fascistas, representadas, quem diria, pela própria população, mentalmente adoecida por uma moral arcaica.

Sim, é um diagnóstico triste do Brasil destruído pelo bolsonarismo. Mas Lacerda exagera nas piadas do tipo “minha Veja veio fora do plástico”, que desnudam a escrotidão da classe média de maneira caricatural. Sabemos que nossa classe média é assim, mas de um filme espera-se um pouco mais de ambiguidade em vez do nós contra eles, barbárie versus civilização.

Felizmente, há espaço para mostrar os amigos que se amam e transam amor livre, onde vale tudo mesmo, até aquilo que para o Tim Maia não valia (na verdade, não vale Breninho com Penha, pois são irmãos e o filme ainda preserva alguns tabus); como há espaço também para a investigação de Breno e seu parceiro nervoso, para os depoimentos dos familiares de Emma, a francesa assassinada, para um jornal independente chamado “Dracma” (ideia boa, mas não muito bem executada) e para a observação de uma cidade em permanente tensão, chamada pelos locais de “Hellcife”.

De fato, a investigação policial cada vez ocupa mais espaço dentro do filme, que fica entre a representação da juventude brasileira contra a caretice da sociedade e a entrada num gênero que, no Brasil, tende a dar xabu. Em dado momento, entre em cena Hermila Guedes, uma das atrizes mais importantes do cinema brasileiro neste século, e pernambucana, como Irandhir. Segue-se, então, uma longa cena em que os personagens de Hermila e Irandhir se reencontram.

Apesar desses dois atores fenomenais e de algumas cenas bem interessantes (entre as quais, surpreendentemente, não está a do reencontro), “Fim de Festa” revela-se um passo em falso na carreira do talentoso Hilton Lacerda. Por mais que sinta-se nele um desejo de radiografar uma geração (de atores e atrizes pernambucanos também), sente-se também que o resultado alcançado é pouco comparado com o que esperamos desse autor. 

Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema