Em março, nada menos que três filmes portugueses estreiam nos cinemas de São Paulo (“Campo”, “Alva” e “Technoboss”). Eles se juntam a “O Filme do Bruno Aleixo”, que estreou em janeiro. Temos ainda “Frankie”, produção franco-portuguesa rodada em Sintra, Portugal.

Ou seja, é o momento do cinema português. O que é estranho é que nós, brasileiros, sempre tivemos resistência ao cinema feito em língua portuguesa do outro lado do Atlântico, o que diz mais respeito às nossas limitações do que à qualidade da filmografia portuguesa.

Por esse motivo, selecionei vinte filmes essenciais (em ordem cronológica, sem repetir diretor) para se entender a história do cinema português, desde o primeiro modernismo (1927-1932) até os nossos dias. Como decidi colocar somente um por diretor, vale dizer que dois deles são os considerados os maiores do cinema português: os falecidos Manoel de Oliveira (1908-2015) e João César Monteiro (1939-2003).

Boa viagem.

Lisboa, Crónica Anedótica (José Leitão de Barros, 1930)

Sintonizado com as sinfonias para as cidades feitas no final dos anos 1920, esta ode a Lisboa simboliza perfeitamente, mais do que o outro pilar do primeiro modernismo português (“A Dança dos Paroxismos”, de Jorge Brum do Canto), essa época de experimentos e poesia.

Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1963)

Pontapé inicial do segundo modernismo português (ou terceiro, se contarmos as tentativas isoladas de neorrealismo dos anos 1950), “Os Verdes Anos” é considerado o marco zero do Novo Cinema português e ainda revela a excelente atriz Isabel Ruth.

O Crime de Aldeia Velha (Manuel Guimarães, 1964)

Representante das tentativas de neorrealismo dos anos 1950, tendo sido vitimado pela censura, Guimarães chega aos anos 1960 produzido por Cunha Telles, maior mecenas do primeiro momento do Novo Cinema português, e realiza com isso o seu melhor filme (e um dos poucos que não sofreram muito com a censura).

O Cerco (António da Cunha Telles, 1970)

Cansado de perder dinheiro investindo em outros diretores, Cunha Telles resolveu perder dinheiro dirigindo o próprio filme. E fez um dos mais importantes longas da época do impasse do Novo Cinema, pouco antes do CPC (Centro Português de Cinema) entrar em cena. Maria Cabral é a jovem que vive cercada por homens, num dos filmes mais duros e incompreendidos contra o machismo português.

O Recado (José Fonseca e Costa, 1972)

Uma espécie de “O Cerco” em cores, este primeiro longa de Fonseca e Costa traz novamente Maria Cabral e as fissuras da sociedade portuguesa em vias de desintegração pré-Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974).

Uma Abelha na Chuva (Fernando Lopes, 1972)

Obra-prima de Fernando Lopes, diretor essencial para o Novo Cinema português, para o qual contribuiu com o também essencial “Belarmino” (1964).

Brandos Costumes (Alberto Seixas Santos, 1975)

Uma primeira tentativa de entender os acontecimentos que levaram ao 25 de abril de 1974 e à liberdade para a sociedade portuguesa. Mas o filme começa a ser realizado ainda em 1972. Seixas Santos foi inteligente em se aproveitar dos percalços da produção.

Trás-os-Montes (António Reis e Margarida Cordeiro, 1976)

Filme do professor Reis com sua esposa e instância crítica, Margarida Cordeiro. O casal fez apenas três longas, mas são todos obrigatórios.

Máscaras (Noémia Delgado, 1976)

O cinema sui generis de Delgado empolga por suas similaridades e diferenças com relação ao longa de estreia de Reis e Cordeiro. É parte de um momento em que o cinema português se volta para sua história, os costumes de seus povos.

O Rico, o Camelo e o Reino ou O Princípio da Sabedoria (António de Macedo, 1976)

Detestado pela crítica e pela comunidade cinematográfica portuguesa, Macedo é diretor irregular, certamente, mas tem ao menos este belíssimo filme que, em espírito, lembra bastante a novela brasileira “Saramandaia”, de Dias Gomes.

Amor de Perdição (Manoel de Oliveira, 1979)

Financiado parcialmente pela RTP, o filme estreou no final de 1978 como uma minissérie televisiva. Foi um fiasco. No ano seguinte, em sua estreia cinematográfica, os críticos puderam perceber o equívoco. É um dos maiores filmes de todos os tempos, não só de Portugal.

Silvestre (João César Monteiro, 1982)

A depuração definitiva do estilo de Monteiro em um longa de mise en scène impecável e uma atuação de antologia da grande Teresa Madruga.

Dina e Django (Solveig Nordlund, 1983)

Longa divertidíssimo e inventivo da diretora de origem sueca que fez a maior parte de sua carreira em Portugal, inicialmente como assistente de direção de João César Monteiro e José Fonseca e Costa, e depois como montadora dos filmes de Alberto Seixas Santos.

O Movimento das Coisas (Manuela Serra, 1985)

Um filme que é como um rio, flui naturalmente até seu destino. Poesia pura, de um momento em que o cinema português, apesar de já estabelecido num sistema de subsídios, enfrentava novamente uma série de dificuldades. Este filme, por exemplo, nunca teve estreia comercial.

Xavier (Manuel Mozos, 1992)

Longa marcante e exemplar da chamada geração dos anos 1980, após os primeiros filmes de Rita Azevedo Gomes e Pedro Costa, representantes da mesma geração, mas que aqui estão com filmes posteriores.

Longe da Vista (João Mário Grilo, 1998)

Professor e historiador do cinema português, Grilo é também um bom crítico, tendo sido um dos maiores defensores das ousadias de João César Monteiro. Sua carreira entrou em declínio nos anos 2000, mas não antes de propiciar esta joia sobre um presidiário tentando entender sua vida e seus caminhos.

Os Mutantes (Teresa Villaverde, 1998)

Filme duro e muito sofrido, difícil de ver, mas que revela o talento da jovem Villaverde, que havia sido atriz de uma das obras-primas de João César Monteiro, “À Flor do Mar”.

Frágil como o Mundo (Rita Azevedo Gomes, 2002)

Diretora da geração dos anos 1980, Rita chega a seu segundo longa tendo como base a poesia inigualável de Sophia de Mello Breyner Andresen, entre outros autores. Um filme sem igual.

Juventude em Marcha (Pedro Costa, 2006)

Costa é mais um dos que aprenderam cinema e começaram a filmar nos anos 1980, a considerada geração de ouro do cinema português. Este talvez não seja o seu melhor filme, mas é aquele em que seu estilo de mostra pela primeira vez maduro, solidificado.

Wolfram – A Saliva do Lobo (Joana Torgal e Rodolfo Pimenta, 2010)

Certa vez, o músico inglês Brian Eno declarou, sobre o primeiro disco do Velvet Underground, que tinha vendido só 30 mil cópias na época, mas todos que o compraram montaram uma banda. É mais ou menos esse o impacto de “Wolfram”, documentário inesquecível, em quem o viu.

* inúmeros bons diretores ficaram ausentes desta lista. Alguns deles, que lembro de primeira: Jorge Brum do Canto, António Lopes Ribeiro, Cottinelli Telmo, Perdigão Queiroga, Ernesto de Sousa, António Pedro Vasconcelos, António Campos, Eduardo Geada, Jorge Silva Melo, Lauro António, Luís Filipe Rocha, João Botelho, Ana Luíza Guimarães, João Canijo, Catarina Alves Campos, Tiago Hespanha, Salomé Lamas, Claudia Varejão, Susana de Sousa Dias, José Oliveira, Mário Fernandes, Hiroatsu Suzuki (radicado em Portugal)… 

* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema