Nos anos 1990 e início dos anos 2000, o cinema dos irmãos belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne representavam um sopro de renovação no panorama do cinema autoral, graças, sobretudo, a longas premiados como “A Promessa” (1996), “Rosetta” (1999) e “O Filho” (2002).

Hoje, após anos de diluição do estilo dos Dardennes por diversos imitadores mais ou menos empenhados, seus filmes empolgam bem menos, e mesmo os que os tornaram famosos revelam-se mais frágeis quando revistos. Não é culpa deles, obviamente. A culpa é nossa, que não notamos isso na época e precisamos perceber a fraqueza de certos procedimentos em filmes posteriores ao longo dos anos.

O que aconteceu? Os filhos dos Dardennes nasceram ou se tornaram monstruosos ou esse tipo de câmera que persegue as pessoas como um pernilongo sob um discutível pretexto humanista já cansou? Podemos responder que acontece um pouco das duas coisas. Os diretores influenciados por essa estética mostraram a fragilidade desse tipo de câmera e de uma representação em que o mais importante é a sensação do que o olhar, a observação.

“O Jovem Ahmed” nos apresenta um adolescente muçulmano que se torna radical pelas influências equivocadas e por uma leitura exagerada do Alcorão, e com isso tenta até assassinar sua professora. Após essa tentativa frustrada, ele aos poucos vai percebendo o radicalismo e se esforça para mudar.

O longa se enfraquece pelo encaminhamento um tanto óbvio da trama e, principalmente, pela câmera que em muitos momentos filma o que der na telha, sem a menor preocupação com os limites da tela ou a boa observação das cenas pelo espectador. Mesmo não sendo a mesma câmera radical dos filmes que os tornaram famosos, ainda há uma ideia aleatória do quadro, o que não acontece com diretores como John Cassavetes ou Pier Paolo Pasolini, mestres da câmera na mão e do enquadramento mais solto (mas nunca desleixado).

Claro que existem cenas fortes, filmadas com certa habilidade, mesmo que dentro dessa opção já desgastada. Afinal, eles podem não ter sido os inventores desse tipo de câmera, nem os melhores a usá-la, mas foram os principais propagadores neste século, principalmente a partir da Palma de Ouro em Cannes para “Rosetta”. Além disso, a crença dos Dardennes no diálogo entre opostos por vezes nos dá algumas belas cenas, como a do bilhete de Ahmed a sua mãe ou as tentativas de lidar com animais numa fazenda sob o acompanhamento de uma psicóloga.

A atualidade do filme pode impressionar. Afinal, Ahmed inicialmente se mostra como um menino que acredita no que quer, como as pessoas que consomem e propagam fake news adoidado pelas redes sociais atualmente. A espécie de lobotomia que encontramos nestes dias se dá mais facilmente nesses casos, e pessoas frágeis mentalmente parecem brotar do chão a cada minuto, não só adolescentes perdidos como Ahmed, mas também adultos que deveriam conseguir pensar.

Mas essa atualidade do longa não é um trunfo em si. É necessário tratá-la de modo interessante, dramaturgicamente, com um encadeamento que nos prenda ou nos faça pensar (ou os dois, o que é raro). Não se pode dizer que algo disso aconteça em “O Jovem Ahmed”. O que temos é mais do mesmo para quem já conhecia o cinema dos Dardenne (e a questão do perdão em “Rosetta” e “O Filho”), e algo pouco atraente para quem ainda não os conhecia.

Desse modo, fica mais fácil entender que talvez os Dardennes sempre tenham sido uma espécie de miragem, dessas que costumam acontecer de tempos em tempos a partir de festivais prestigiados de cinema (Cannes, Berlim, Veneza) e de seus mercados paralelos que tendem a privilegiar fórmulas de sucesso dentro de cada prateleira – e a autoral é só mais uma delas.

Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema