Ao ver “O Preço da Verdade” temos duas surpresas. A primeira é que um filme que envolve direito e advocacia demore tanto para engrenar. A segunda é perceber que a assinatura de Todd Haynes não transforma o filme numa obra autoral. O que é ainda mais incrível, porque bem ou mal Haynes sempre foi um autor, mesmo no pior de seus filmes. Aqui, rende-se a um academicismo que já podia ser antevisto em alguns momentos de “Carol”.

Mark Ruffalo é Rob Bilott, advogado em ascensão, que acaba de receber a oportunidade de ser sócio de uma grande empresa de advocacia, mas recebe também a missão, um tanto inetivável por se tratar de algo que envolve sua avó e suas origens em West Virginia, de investigar possíveis males que afetam fazendeiros da região, o que faz com que ele confronte gente poderosa, do tipo que vende tudo por dinheiro e mata, suave e lentamente, se assim for necessário para aumentar os lucros.

Em questão está a DuPont, poderosa empresa química que desenvolveu a panela de teflon, mesmo sabendo que há no material um produto cancerígeno criado em laboratório, o C8. Durante os anos 1990, chegando aos anos 2000, a Dupont passou por cima de todos os riscos e continuou envenenando pessoas e animais, que desenvolveram câncer ao longo dos anos.

Os queixantes passam a sofrer perseguição, tanto da DuPont quanto dos ignorantes úteis de sempre, que acreditam nas grandes corporações contra os reis do mimimi que procuram o que é certo. E tudo isso é flagrado por uma câmera comportada, numa narrativa que corre o tempo todo segundo a cartilha do gosto médio.

Claro que na segunda metade, até pelos confrontos e mediações, a coisa esquenta um pouco. Mas nunca deixa de existir dentro de um confortável banho-maria, com alguns toques de suspense, trilha genérica colocada em momentos estratégicos e notas modestas de um melodrama calculado para não ferir sensibilidades.

Haynes até tem filmes piores, mas nunca tinha sido medíocre e omisso como em “O Preço da Verdade”. Os filmes eram ruins porque Haynes corria o risco de se afundar, e por vezes se afundava (“Veneno”, “Velvet Godmine”). Até mesmo atores como Bill Pullman, Anne Hathaway e Tim Robbins, para não dizer o próprio Ruffalo, são desperdiçados dentro desse esquema do grande tema que sobrepuja toda a direção. No fundo, é um filme anti-Todd Haynes.

Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema