É uma discussão interminável. Vira e mexe alguém saca o velho “aquele que pode fazer, faz, aquele que não pode, critica”, ou uma de suas mais estúpidas variações: “o crítico é um cineasta frustrado”. Isso porque ainda não foi superada a ideia da crítica como uma instância parasitária da arte, e não há nada mais absurdo do que esse pensamento.

Numa analogia um tanto óbvia, quando temos um amigo ou amiga e percebemos que algo vai mal na sua vida por causa das suas ações ou escolhas, o que fazemos? Não nos metemos e deixamos que ele ou ela prossiga em erro? Sim, caso a pessoa não seja um amigo ou amiga de verdade, a ponto de não conhecermos bem seus desejos e suas escolhas. Mas se a conhecemos bem, se temos algum carinho por ela, temos de apontar o que entendemos como seus problemas, seus erros. Ou seja, temos de exercer a crítica. Podemos estar errados nesse exercício, mas a intenção será sempre boa, se movida por um sentimento verdadeiro.

Ninguém jamais cresce com elogios, embora estes, por vezes, sirvam como incentivo e motivação. As pessoas crescem quando são criticadas e assimilam a crítica, fazem algo para melhorar porque, no fundo, concordam com ela (ou parte dela). Daí que não existe crítica destrutiva, ou negativa, caso ela seja feita com honestidade. Ela pode ser equivocada, mas aí cabe à pessoa criticada estudar, repensar os seus passos para se certificar de que a crítica que ouviu não procede.

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Com obras de arte acontece algo parecido. Em qualquer arte. Mas fiquemos no cinema, arte majoritariamente tratada aqui. Um diretor pode até crescer ignorando as críticas, mas é tão raro quanto encontrar alguém que já nasça gênio. Normalmente, além de inspiração e talento, arte é, mais ainda, trabalho, transpiração, preparação. E nesse aspecto, todo artista pode crescer quando recebe críticas justas e as assimila, aprende com elas.

O crítico cinematográfico deve ser apaixonado por cinema. E como um apaixonado, vai lutar para que essa arte tão incompreendida, tão tratada como assunto de mesa de bar (não que deva deixar de ser, mas nunca pode ser só isso), não seja envergonhada por filmes ruins ou por aventuras oportunistas. Ou seja, ele vai bater num filme ruim como quem defende uma posição, uma postura, a arte amada. Tomando, obviamente, os devidos cuidados para não ofender a pessoa que fez o filme. Mesmo que a pessoa que fez o filme frequentemente ofenda o crítico quando não gosta do que ele escreveu.

A crítica escrita é um gênero literário. Quando bem feita, torna-se, ela também, uma obra de arte. Assim afirmaram ou reiteraram, às vezes implicitamente, grandes artistas e críticos, como Oscar Wilde, Northrop Frye, Anne Cauquelin, Antonio Cândido, Robin Wood e Jean Douchet, entre muitos outros. Claro que atingir com uma crítica esse status de obra de arte não é fácil. Atualmente, com a inflação de informação e a diminuição do poder de compra de nossos rendimentos, obrigando-nos a ter cada vez menos tempo para pesquisa e reflexão, é mesmo raro. Mas é algo que deve ser buscado. No caminho, pode se chegar muitas vezes a uma arte incompleta, mas a busca será sempre válida.

Então é óbvio: dizer que críticos ou críticas são artistas frustrados(as) equivale a dizer que a crítica não é necessária. E negar a necessidade da crítica é o mesmo que negar a importância da arte na saúde mental das pessoas.

Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema