A diversidade no ambiente de trabalho é o futuro – menos para alguns funcionários da Microsoft. Empregados da empresa usaram um fórum interno da empresa para questionar os esforços da companhia em prol do aumento de contratações de grupos sociais menos representados no universo da tecnologia, como mulheres. O fórum é destinado à comunicação com o CEO, Satya Nadella.

Ironicamente, as mensagens que deram início à longa discussão foram postadas por uma… mulher (?!), de acordo com informações do site Quartz, que não divulgou o nome da funcionária. Uma gerente de programação da Microsoft criticou as iniciativas de diversidade da empresa e as classificou como “contratação discriminatória”, bem como opinou que mulheres são “menos adequadas” (?!) para funções de engenharia. Os posts foram publicados em janeiro e em abril, sendo que dois deles tiveram mais de 800 comentários, tanto contrários quanto a favor da autora.

Para a gerente de programas, homens brancos e asiáticos estão sendo penalizados ou negligenciados por conta da política de contratação da Microsoft, que recompensa gerentes por selecionar pessoas fora desses grupos. “A Microsoft tem algum plano para acabar com a política atual que incentiva financeiramente práticas de contratação discriminatórias? Para ser claro, estou me referindo ao fato de que a liderança sênior recebe mais dinheiro se discriminar asiáticos e homens brancos”, dizia o post.

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Além disso, ela questiona o valor da diversidade ao dizer que muitas mulheres não estão no mundo corporativo da tecnologia em razão do patriarcado, mas simplesmente porque “homens e mulheres não são idênticos”. Ela conclui que é “fato estabelecido” que os “processos de pensamento e resolução de problemas requeridos para engenharia de todos os tipos (software ou outros) são simplesmente menos prevalentes entre as mulheres” e que elas apenas não se interessam por trabalhos de engenharia.

O fogo cruzado da Microsoft contra discriminação de gênero e assédio sexual

Funcionários contrários às publicações acusam a Microsoft de ter tomado pouca ou nenhuma ação em resposta às postagens no fórum. Um deles disse ao Quartz que os “Recursos Humanos, Satya e toda a liderança [da empresa] está enviando e-mails os quais dizem que eles querem ter uma cultura inclusiva, mas eles não estão dispostos a tomar nenhuma outra ação além de falar sobre isso”.

Em resposta às acusações, a Microsoft apontou ao Quartz comentários de funcionários da empresa contra as mensagens “anti-diversidade”. Um deles foi escrito em janeiro por um membro da equipe de investigações de funcionários da Microsoft e diz que a empresa não tolera discriminação de qualquer tipo.

Outro, escrito por uma funcionária que lidera o departamento que ajuda o conselho de diretores a determinar os salários dos executivos, explicou a iniciativa de remuneração baseada em diversidade. “Nossa diretoria e a equipe de liderança executiva acreditam que equipes diversas e inclusivas são boas para os negócios e coerentes com nossa missão e cultura inspiradora. Vincular a compensação a essas aspirações é uma importante demonstração do compromisso executivo com algo em que acreditamos fortemente”, escreveu.

A queixa de omissão por parte da Microsoft contra casos de discriminação não é inédita. Segundo relatos de funcionárias da empresa vazados no início deste mês, muitas denúncias de assédio sexual e discriminação eram levadas ao RH, mas que o departamento não resolvia o problema.

Depois da repercussão do vazamento desses casos, o CEO da Microsoft, Satya Nadella, enviou uma carta aos funcionários na última segunda-feira (15), em que afirmou que a empresa vai mudar a forma como o departamento de RH analisa os incidentes no local de trabalho e criar uma “Equipe de Defesa do Funcionário”.

“Fato estabelecido”?

As alegações da gerente de programação, no entanto, não são um “fato estabelecido”, porque ignoram evidências que mostram como o preconceito de gênero interfere na contratação, no ambiente de trabalho e no relacionamento corporativo.

Pesquisas têm mostrado que apenas ter um nome masculino produz uma avaliação mais positiva em um processo seletivo de empregos; já um palestrante do sexo masculino gera reações melhores aos argumentos apresentados e que gerentes distorcem seus critérios de julgamento de modo a favorecer os homens. Além disso, desenvolvedores de software que não são brancos e do sexo masculino recebem menos, e mulheres, ao contrário dos homens, que tentam negociar um salário mais alto são recebidas de forma negativa.

De acordo com uma pesquisa da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), até meados da década de 1960, a programação era vista como uma escolha natural de carreira para mulheres inteligentes. Isso porque esse campo poderia oferecer perspectivas e oportunidades maiores do que a maioria das outras linhas de trabalho. Até então, a área não interessava aos homens – afinal, o trabalho consistia apenas em digitar – que se ocupavam em construir o hardware.

Com o passar do tempo, homens perceberam que a computação tinha um grande potencial lucrativo. Consequentemente, começaram a surgir obstáculos e barreiras contra mulheres que quisessem se inserir nessa área. Penalização de mulheres que tinham feito menos aulas de matemática ou priorização daquelas em que testes de personalidade revelavam desinteresse pela interação humana eram alguns dos modos operandi de exclusão.

Os números deixam claro que o motivo da baixa representatividade de mulheres em empresa de tecnologia não é falta de interesse. O sexismo, a reprodução sistemática da ideia de que ciência, tecnologia e engenharia são assuntos “para os meninos” e os constantes relatos de assédio, discriminação e desvalorização de mulheres em ambientes de trabalho são razões muito mais bem comprovadas.

Via: Quartz e Ars Technica