No dia 9 de janeiro de 2007, há exatamente 10 anos, o mundo viu pela primeira vez o iPhone. Nas mãos de Steve Jobs, o fundador e então presidente da Apple, a empresa revelou o produto que, segundo ele, mudaria a forma como as pessoas se comunicariam no futuro. E, nesse caso, não foi só marketing.
Depois do iPhone, a indústria passou a ver a categoria de smartphones com outros olhos. Mas a história de como esse celular revolucionou o mercado começa muito antes de 9 de janeiro de 2007. Na verdade, o projeto surgiu na Apple em meados de 2005.
O início
A Apple já havia experimentado com algo parecido anos antes, em 1993, quando lançou a primeira geração do Newton. Visualmente semelhante ao que viria a ser o iPhone, o Newton era um “assistente pessoal digital”, ou um bloco de notas eletrônico, que vinha acompanhado de uma caneta stylus e “teoricamente” era capaz de converter texto escrito à mão em caracteres digitais.
Diz-se “teoricamente” porque o sistema do Newton era extremamente problemático nessa tarefa. Soma-se a isso o fato de que o aparelho teve um conturbado processo de desenvolvimento e acabou chegando ao mercado custando absurdos US$ 900, e o resultado foi o cancelamento da linha assim que Steve Jobs retornou ao posto de líder de desenvolvimento de produtos da Apple, em 1998.
Contudo, a ideia de criar um tablet não fora totalmente descartada por Jobs. Em 2010, durante uma entrevista a Walt Mossberg no palco da D8, uma conferência anual sobre tecnologia realizada pelo Recode, o então presidente da Apple contou como seu interesse pelo que seria o iPad levou ao nascimento do iPhone em primeiro lugar.
“Eu tinha essa ideia de me livrar do teclado e digitar em uma tela multitouch de vidro. E eu perguntei à nossa equipe: nós podemos criar uma tela multitouch? Uma em que eu possa escrever sobre, descansar minhas mãos sobre ela? Cerca de seis meses depois, eles me chamaram e me mostraram o protótipo dessa tela”, relembrou Jobs.
Tempos depois, observando o processo de desenvolvimento da tela multitouch, Jobs pensou: “Meu Deus, nós podemos fazer um telefone com isso”, lembra o executivo. “Eu coloquei o projeto de um tablet na prateleira, porque o telefone era mais importante.” E motivos não faltaram para que a Apple adotasse essa estratégia.
Em “Steve Jobs”, a biografia do cofundador da Apple escrita pelo jornalista Walter Isaacson (publicada no Brasil pela Companhia das Letras), Art Levinson, que foi membro do conselho de diretores da empresa durante anos, diz que o interesse no mercado de telefones veio da eterna preocupação de Jobs com o que poderia tirar da Apple a sua imagem de “inovadora”. “Ele estava sempre obcecado pelo que poderia nos afetar”, disse Levinson no livro. “A conclusão a que ele chegou foi: o aparelho que pode nos detonar é o celular.”
Segundo o ex-conselheiro da Apple, Jobs expôs à empresa o fato de que câmeras digitais estavam se tornando obsoletas, já que celulares começavam a chegar ao mercado com suas próprias câmeras. O medo de Jobs era de que o mesmo aconteceria com o iPod (que vendia como água em 2005), assim que as fabricantes passassem a colocar tocadores de música dentro dos celulares. “Todo mundo anda com um celular, o que tornaria o iPod desncessário”, lembra Levinson no livro.
A primeira tentativa da companhia no mercado de telefones para valer foi o ROKR. Trata-se de um dispositivo criado pela Motorola em 2005 e que vinha com acesso ao iTunes, a loja de músicas da Apple. Não foi um grande sucesso, especialmente devido ao design e ao complicado processo de desenvolvimento, que contou, em parte, com a Apple, a Motorola e a operadora americana Cingular.
Em seu livro, Isaacson diz que Jobs ficou revoltado com o fracasso do ROKR e teria dito a Tony Fadell, um dos engenheiros responsáveis pelo iPod: “Estou farto de lidar com essas empresas idiotas. Vamos nós mesmos fazer”. O interesse por um produto inovador não foi só o que motivou a Apple a criar o iPhone, porém. Havia, é claro, uma nítida oportunidade de crescimento num mercado que vendera mais de 825 milhões de unidades para um público multifacetado, de homens a mulheres, entre jovens e adultos, em 2005.
O anúncio
Em 9 de janeiro de 2007, Jobs subiu ao palco da Macworld Expo – conferência anual realizada pela Apple desde a década de 1980 na Califórnia – para, segundo ele, “fazer história”. A revelação do iPhone, após meses de especulação e rumores na imprensa, começou com Jobs relembrando o Macintosh e o iPod, e dizendo que, naquele dia, introduziria três novos produtos igualmente impactantes.
“O primeiro é um iPod com tela grande e controles por toque. O segundo é um telefone celular revolucionário. O terceiro é um dispositivo de comunicação pela internet inovador”, afirmou Jobs. O executivo repetiu as três frases mais duas vezes – um iPod, um telefone, um aparelho de internet -, munido de uma animação que mostrava no telão ao seu lado os três ícones girando e se fundindo.
Ao passo em que a plateia se agitava com a mensagem “subliminar” – um iPod, um telefone, um aparelho de internet -, Jobs se explicava. “Vocês estão entendendo?”, disse, sob fortes aplausos. “Esses não são três dispositivos separados. Este é um dispositivo. E nós o chamamos de iPhone”, proclamou.
O iPhone não foi o primeiro smartphone do mundo, mas era bem diferente da maioria dos outros smartphones no mercado. Até 2007, marcas como Nokia e BlackBerry ofereciam aparelhos celulares capazes de se conectar à internet, tirar fotos e mandar e-mails, mas vinham com teclados físicos e muitos usavam canetas stylus para a navegação.
Um exemplo de relativo sucesso é o Nokia E61, lançado em outubro de 2005. Além da tela de 2,9 polegadas e teclado QWERTY, o aparelho custava cerca de US$ 250 (mais caro do que um celular comum, sem todas essas capacidades) e era vendido como um produto destinado a empresários e ao mercado corporativo em geral.
Há também o controverso caso do LG Prada, um celular lançado no mesmo ano (apenas alguns meses antes do iPhone) sem teclado físico e com uma tela sensível ao toque. A diferença é que o aparelho usava o touchscreen para funções básicas e não reconhecia diferentes gestos ou o toque de mais de um dedo ao mesmo tempo. Isso sem falar no preço: de US$ 700 a US$ 850. A LG chegou a acusar a Apple publicamente de plágio mesmo assim.
Não era essa a proposta do iPhone. A Apple apostava todas as suas fichas no tal multitouch, uma tecnologia que permitia ao sistema operacional reagir a múltiplos toques simultâneos à tela do aparelho, além de usar diferentes gestos para diferentes funções. Assim como o Macintosh introduziu o mouse aos computadores pessoais, o iPhone “introduzia” os dedos como interface de navegação mobile.
Como em outros produtos de sucesso, o iPhone fora concebido com uma integração minuciosa entre software e hardware: uma tela “gigante” (para os padrões da época, é claro), rodando um sistema operacional feito exclusivamente para ele, assim como o processador e a arquitetura da memória. O iPhone pode não ter sido o primeiro smartphone do mundo, mas foi o primeiro de sua espécie.
Pós-lançamento
A recepção ao iPhone original foi, no mínimo, controversa. Houve quem tirasse sarro da ideia, como Steve Ballmer, presidente da Microsoft na época. O executivo resumiu todas as reações negativas ao iPhone em um tom de ironia e com risadas: “Quinhentos dólares, totalmente subsidiado com um plano? Eu digo que esse é o telefone mais caro do mundo e não apela aos empresários porque não tem teclado”, disse.
O preço era realmente alto para um produto que o público ainda não conhecia tão bem. Mais uma vez, a Apple repetia a estratégia que utilizou com o Macintosh mais de 20 anos antes: lançar um produto que parecia revolucionário, mas que era caro demais para quem não estivesse a fim de arriscar. Além de custar US$ 500, o iPhone vinha “preso” a uma assinatura de dois anos da operadora AT&T.
O aparelho chegou às lojas em 29 de junho de 2007. Uma pesquisa feita nos Estados Unidos e divulgada na semana do lançamento mostrava que seis em cada 10 americanos sabiam o que era o iPhone mesmo antes do lançamento. As análises feitas pela imprensa com antecedência eram positivas. Walt Mossberg, do Washington Post, disse que o iPhone era, “no geral, um belo e inovador computador de mão”, enquanto o New York Times disse que ele era “realmente deslumbrante”.
Como todo lançamento, este também viu filas e filas de fãs da Apple desesperados para comprar a novidade o mais rapidamente possível. Três meses após o início das vendas, a Apple já havia vendido 1 milhão de unidades do iPhone em lojas selecionadas ao redor dos EUA. Essa primeira geração do aparelho nunca foi lançada oficialmente no Brasil.
Até o fim de 2007, estimava-se que a Apple teria vendido mais de 1,4 milhão de unidades do iPhone nos EUA. Naquele ano, a empresa fechou o caixa com uma receita calculada em US$ 24,6 bilhões – cerca de US$ 5 bilhões a mais do que no ano anterior. Em dezembro, a cultuada revista Time reconheceu o iPhone como “a invenção do ano“.
O iPhone só foi vendido por aqui a partir da segunda geração, com o chamado iPhone 3G. O dispositivo chegou ao país em setembro de 2008, numa parceria da Apple com a Claro e com a Vivo. A versão mais barata (em plano pós-pago) custava R$ 899, enquanto a mais cara (pré-paga) chegava a R$ 2.599 – quase o mesmo preço de um iPhone SE, lançado no ano passado, e que hoje custa R$ 2.499.
O legado
Não demorou para que o iPhone começasse a influenciar o mercado de smartphones. O Palm Pre, por exemplo, é conhecido como o primeiro grande rival do iPhone a implementar um sistema baseado na mesma tecnologia de multitouch da Apple (apesar de ainda vir com um teclado físico, “escondido” sob a tela). Outras marcas também começaram a copiar o design mais minimalista, privilegiando a tela em detrimento do teclado, até que este começou a desaparecer por completo.
Há quem diga, porém, que o principal legado deixado pelo iPhone foi também o seu principal “arqui-inimigo”: o Android. O sistema operacional baseado em Linux, desenvolvido em código aberto pelo Google, foi lançado apenas um ano depois do primeiro iPhone pelo Open Handset Alliance, um consórcio formado por empresas como HTC, Sony, Samsung, Qualcomm e o próprio Google.
O primeiro smartphone com Android foi o HTC Dream, lançado em outubro de 2008. A abordagem open-source do software fez com que a concorrência pudesse desenvolver produtos do mesmo patamar que o iPhone. Algo semelhante acontecera mais de duas décadas antes, com a relutância da Apple em licenciar o uso do sistema operacional do Mac e o consequente surgimento do Windows como resposta imediata.
Assim como o Windows devorou o mercado e democratizou os computadores pessoais, o Android também levou a mais pessoas a inovação do smartphone moderno. Um levantamento divulgado pelo instituto de pesquisa IDC no ano passado mostra que, atualmente, dispositivos rodando o sistema do Google dominam 86,8% do mercado, enquanto o iOS, do iPhone e do iPad, está em 12,5% do total de aparelhos vendidos no mundo.
Além disso, as pesquisas mais recentes mostram que hoje existem mais de 2 bilhões de dispositivos móveis – entre smartphones e tablets – ativos em todo o mundo, e cerca de metade da população mundial tem acesso à internet. A Apple garante ser criadora de ao menos metade desses dispositivos móveis. Mas por que o iPhone foi tão influente sobre o mercado se outros, tão parecidos, falharam?
Mesmo que o iPhone não tenha sido uma ideia 100% original, a marca Apple certamente lhe deu mais visibilidade e a “sensação” de ser um produto mais inovador do que já realmente era. Historiadores como Erica Robles-Anderson, da Universidade de Nova York, já destacaram em diversas ocasiões a influência que a marca da Maçã tem sobre a sociedade moderna como se fosse um “culto”.
É por isso que o iPhone conseguiu ser vendido 1 milhão de vezes em três meses, enquanto o LG Prada, mesmo tão semelhante, só alcançou a mesma marca em 18 meses. Uma estratégia bem executada de marketing fez com que um produto realmente fascinante vendesse muito, e o sucesso comercial acabou mostrando às outras empresas que aquele era um caminho a ser seguido.
Talvez o iPhone não seja a oitava maravilha do mundo, como alguns de seus maiores entusiastas gostam de pregar, mas certamente está longe de ser um produto como qualquer outro. Seja você usuário de Android ou Windows Phone, é preciso reconhecer que o smartphone na sua mão agora não seria o que ele é se não fosse pelo primeiro iPhone.