Já dizia Confúcio: “Se queres prever o futuro, estuda o passado”. Uma frase que combina bastante com o tema do artigo desta semana.
Em 1996, enquanto navegava na internet discada através de um modem 28.8kbps instalado em meu IBM Aptiva, eu não tirava o olho da televisão. A TV a Cabo, antes um item restrito aos americanos e à classe alta, começava a dominar os lares da classe média.
O conteúdo dos canais a cabo já era de melhor qualidade do que o da TV aberta, basicamente por causa da presença de canais estrangeiros na grade dos canais das operadoras.
Pouco tempo depois, uma nova febre, agora já na era da internet ADSL: o lançamento dos primeiros conteúdos televisivos exclusivos à assinantes que pagavam um valor extra pelo serviço, mais conhecido como sistema Pay-per-view, que oferecia desde canais de futebol, até canais de vídeos adultos, em uma época que streaming ainda parecia coisa da Nasa.
O Pay-per-view é uma modalidade de assinatura adicional aos serviços de televisão por assinatura, pela qual o usuário pode ter acesso à diversas opções de conteúdo adicional mediante pagamento de um valor extra à operadora do serviço de assinatura – o que, na prática, ocorre na aquisição dos pacotes dos campeonatos de futebol ou de canais de TV com conteúdo exclusivo, como é o caso de reality shows ou séries, a nova febre do momento.
Do ponto de vista técnico, este serviço está intimamente relacionado ao uso de um decodificador de TV que serve, inicialmente, para dar acesso ao usuário ao serviço de televisão por assinatura e ao Pay-per-view, o que claramente demonstra que esta modalidade não se confunde com os serviços de streaming – que, em sua maioria, possuem modelo de negócio diferente, ainda que também baseado em assinaturas, como é o caso de Netflix e Hulu.
No Brasil, o serviço Pay-per-view é oferecido pelas operadoras de TV por assinatura desde os anos 90, e representa boa parte da receita não somente destas empresas, mas também de terceiros, como é o caso dos clubes de futebol que disputam cerca de R$ 650 milhões em direitos anualmente em contratos relativos aos seus direitos de transmissão, além dos artistas, produtoras, funcionários da indústria, prestadores de serviço, dentre outros, que se beneficiam direta e indiretamente das receitas do serviço.
O Pay-per-view é, portanto, um serviço adicional de conteúdo premium do pacote de televisão por assinatura que, de alguma forma, é concorrente dos serviços de streaming, trazendo vantagem competitiva às operadoras de TV por assinatura frente ao crescimento iminente de serviços como Netflix, Hulu e HBO Go.
Feitas estas considerações breves sobre o Pay-per-view, falemos agora sobre uma nova forma de cobrança de assinatura por conteúdo exclusivo: de maneira muito similar ao Pay-per-view, têm-se notado um crescente movimento de cobrança de assinatura por acesso a conteúdo premium de influenciadores digitais, blogueiros, empresas e até perfis de humor e empreendedorismo.
Estas assinaturas, que variam de R$ 10 até R$ 1.000 por pessoa ou seguidor, são fruto do inteligente uso da ferramenta Stories do Instagram, iniciada após a recente atualização que introduziu a função “Melhores Amigos”, que permite que o conteúdo postado no Stories seja direcionado somente a pessoas selecionadas entre sua lista de seguidores na rede social – no caso, os “Melhores Amigos”.
Ou seja: você pode direcionar a visualização do seu conteúdo somente para quem você quiser. E já existem pessoas ganhando dinheiro com isso.
Para influenciadores digitais, blogueiros e donos de páginas de conteúdo no Instagram, é um negócio que pode representar um divisor de águas. Até então, esses profissionais dependiam de posts patrocinados, ações de marketing, relações públicas e de outras atividades em paralelo, muitas vezes até fora da rede social, (como palestras e propagandas no Youtube ou blogs) para monetizar a audiência. O conteúdo em si não era monetizado, na maioria das ocasiões.
Com a cobrança de assinaturas, os posts no Stories com conteúdo restrito apenas para os “Melhores Amigos” passam a ter uma característica de “premium”, tornando a audiência uma fonte de receita direta e recorrente, à semelhança do que ocorre com o sistema de Pay-per-view.
Já os posts que continuam abertos a todos os seguidores, não são monetizados pela audiência, a exemplo do que ocorre com os portais de notícias, que possuem conteúdo aberto e apenas para assinantes.
A prática pode representar um grande negócio para influenciadores digitais, blogueiros e donos de páginas no Instagram, além de celebridades, artistas e esportistas, que normalmente já possuem uma audiência disposta a pagar por conteúdo exclusivo.
Por outro lado, as empresas também poderão se aproveitar deste movimento, principalmente as que possuem conteúdo qualificado ou proprietário, como é o caso das agências de notícias, grupos de comunicação, empresas de educação, humor, etc., gerando uma nova fonte de receita, ao invés de utilizar o Instagram apenas para fazer marketing e brand awareness.
Dito isso, nos parece que o Instagram permite uma democratização da monetização do conteúdo, atuando como meio para a veiculação de tal conteúdo por seus usuários – sejam eles influencers ou empresas.
E atuando como simples meio, o Instagram (ainda) não possui nenhuma receita sobre tais assinaturas, inclusive porque as transações relativas ao pagamento pelo “Melhores Amigos” não são completadas dentro da rede social, e sim em sites de terceiros, mais especificamente meios de pagamento, como é o caso das plataformas Moip/Wirecard e Hotmart, ao contrário do que ocorre com a contratação do Pay-per-view da TV por assinatura, cujo pagamento é realizado diretamente na plataforma da operadora da ferramenta.
Conclui-se, portanto, que a ferramenta “Melhores Amigos”, se utilizada de forma a ser monetizada, pode ser considerado um uso adaptado do sistema de Pay-per-view, ainda que por outro formato, meio e suporte.